quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Acordar

A vida acordou hoje no tempo que vai crescendo,

força da terra em expansão.

Na palma da mão o início,

e o vinco dos dias em que acenei a despedida,

suava o calor breve da esperança.


A vontade transcende a luz da aurora:

-Sou mais do que vejo,

do que consigo explicar!

Não ouço o sono nas mãos,

mas a calma de um mar de sol,

as nuvens pousadas no céu,

sorriso lento no olhar.

Sou eu,

hoje,

num hoje que quis ousar.




Outubro/Novembro 2010


domingo, 21 de novembro de 2010

Contigo

Sonhei-te onde menos quis,

no depois do depois da esperança,

quando a seiva se extingue

pelo ventre vazio.


Sonhei-te,

esplêndido,

no cimo do mar,

esperando-nos em espuma, após o embate,

para lá do que possamos dizer.


Sonhei-te,

como sonho dia-a-dia,

num canto que só conheço cá dentro,

o canto onde me antecipas os passos

e te deixarei meus braços,

abundantes braços,

maiores do que o mundo,

caindo num sorriso escancarado

naquele ponto tão certo

onde céu e terra se acumulam.



Outubro 2010


domingo, 24 de outubro de 2010

Mau Tempo

Espreito.

Do outro lado do pano cai o céu

em flocos de sono distante.

Nuvens vagas balouçando lentamente,

sua firmeza roubando.

Lá longe sopra o amor

onde o palco aos olhos acaba;

por mais que corras menina

essa brisa não tornará.


Apago.

Mas como deixar-te sozinha no tempo do que passou,

no chão que breve te escapa, açoite no amor que é teu?

Como beber o sossego da luz que sobe adiante

se a braços com o escuro te encontro,

olhando as estrelas vazias de um dia que se não vê?

Como posso tocar o som da vida, menina,

vendo-te tão pouca,

lambendo o pêlo por carícias que te devolvam inteira?


Volto.

Menina em franja,

sou eu, p'ra te levar.

Lança teus braços quentes

do fundo mais fundo que és

e corre até ganhares pé

na vida que tens entre as mãos.

Espreguiça cada momento

p'la espuma longa na areia

que, de perto, beija o céu.

E corre menina, corre,

corre hoje bem desperta,

que a tua franja

sou eu.


Julho/Setembro 2010


sábado, 25 de setembro de 2010

Caminho

Que piso?

Não sei.

Pedra alva, charco, lodo?

Não sei.

Este caminho fi-lo

para te encontrar,

que te conheço.

As cem caras que usas

nos dias mais belos

...e nos mais fracos.

A roupagem vermelha morna

com que me abraças a solidão

no frio molhado do mar.

Sentença de vaga presença,

és o beijo que me agarra,

a estrela que soletra meu nome

num passado que já lá vai.

És tu o caminho surdo

do voltar, voltar, voltar.

E de novo me pergunto:

- Que chão é este que piso

sem saber o sol, o dia, a noite?

Feliz, completa em sorriso

e, ao virar da página,

uma lágrima de ferida aberta

no tombar da ilusão.

A vida percorre-me a carne,

apaga-se-me por entre os dedos.

É meu o seu estertor.

À solta o tempo esvoaça,

e eu vivo por onde passa

o etéreo cheiro do amor.


Julho/Agosto 2010

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Doçura

Pensas, sentes, distraída,

tricotando os dedos

sem pesar.

Dormindo lenta sobre a vida,

olhas as rugas do que passou,

do que ficou por passar.

Aguardas o tempo

devagar.


Chego...

Teus olhos voltam-se

presentes,

sorrindo de amor,

nus de lembranças,

de todos os suspiros

do dia corrido.

A doçura toca-me

o coração

e choro por dentro

a felicidade que fere:

- Quero isto para sempre!

Meu corpo estremece,

meus olhos resistem.

Digo-te obrigada

num pequeno afago

que não precisas de ouvir.



Agosto 2010


sábado, 3 de julho de 2010

Mãe

Sei-te as mãos fortes,

rasgando o espaço,

molde da vida.

Sei-te mergulho

firme e ousado,

no mar escuro, incontestável

de nascença.


Sei-te as mãos fortes,

haver robusto

de amor erguido.

E sei,

mais que sabendo,

de um conforto,

tão pleno, tão longo...

Nem o avisto sequer.


Mãe,

sei-te as mãos fortes,

palavras cheias.

Tenho-as em mim.

Ainda que vencidas

p´la noite que cai,

sem aviso,

no meu corpo.

Pois quando no mundo me perco

é a ti que chamo:

Tuas mãos,

sereno afago,

polindo-me as espigas

do cabelo.


Abril/Julho 2010


terça-feira, 29 de junho de 2010

Leva-me

Caíram,

desde cedo,

vozes de ira,

amarrotando a flôr,

agigantando o grito,

no peito cor de nódoa.

Sorte postiça

vivida por demais.



Hoje acordo. Garras gastas apontadas

p'ra onde quer que se esvaziem meus lábios

mordendo cada inquieto momento.

Traço do que restou...


O fio pisado quebrou-se

e à deriva calcorreio

pontas de exagero soltas,

novas. Estremeço no que não sei.


Abre-se o espaço, a terra, o ar,

e minha grinalda lanço

ao vento

que a voa embala

para sentir-me ter-me

em todos os contornos,

em cada polegada de nudez.

Para gritar a flôr (gigante)

e tornar

DE VEZ

à porta

do descanso

azul

e verde.


Maio/Junho 2010


segunda-feira, 28 de junho de 2010

Espero-te

Espero-te,

por entre as ervas

me ver daninha

e só.

Ilusão

a de me salvares,

voar para ti,

e no teu ombro ficar

seguindo o sopro da vida,

a tua,

sem que me lembre

do que não sou.


Cansaço...


Muitos dias

troquei de asas,

troquei de fé.

E as unhas,

na terra fincadas,

mais não eram que sonho

a arder onde não deve,

onde não cabe.


Depressa em ti mergulhei,

afogando a súplica

de um toque,

apagando o silêncio

em minha pele.

Sorriso feito afinado

roçando nu

paredes vazias.


Espero-te...

Na crista do monte do mundo.

Tua mão.

A minha.

Juntas tecendo a sombra

que me aquece os olhos.

Juntas olhando

o azul leal das estrelas.

Juntas balouçando a vida,

distraída,

continuando.


Maio/Junho 2010


segunda-feira, 3 de maio de 2010

Pela metade

Trémula a bússola que alumia

lassas sombras

de tornozelos finos,

os meus.

Quase se partindo

no insidioso chão

que teima em dizer

tudo é tudo.


Um tudo de aço,

que me olha

passo

a passo.

Vôo preso grave escarpado,

silvo dilacerante

chovendo-me o prumo.


Sou-me pela metade.

E as costas arqueiam

a vida que não perfuma.

Rosa de pétalas espinhos nua,

calcado caule,

sem cerca,

na rua.


-Onde estás tu,

que nem o céu podes olhar?

-Sim, tu, de penas e alcatrão?


Passo a linha pelo picotado:

uma, duas, três vezes.

A linha.

Pelo picotado.

Uma, duas, três,

quatro, cinco, seis vezes.

Novamente. Sem parar.

E teço um muro tão espesso,

muro espesso,

p'ra me tapar.



Sou-me pela metade,

que em fios de incenso vago

evapora meus sonhos.

Em pó,

minhas mãos.


A metade que espreita,

metade que espera,

a queda

que me supera

vezes com conta

que não quero contar.


Já não quero contar.


Vem,

luz escondida,

promessa de meu resgatar.

Mal posso esperar,

diáfana alma,

a vida possível.




Março/Maio 2010

terça-feira, 20 de abril de 2010

Desconhecida

Imagem,

vejo-te ao espelho

plana,

como palavra repetida eternamente.


Sonhos,

não me deixam partir...

Sonhos sem o meu cheiro.


Estrangeiros são os passos

que me cercam

a vida,

e sei agora alheia

a casa que trago às costas.


Sei-o,

prenha de orvalho...


Esta casa,

chumbo impune,

do nado-morto desejo.

Casa seca,

sabor duro,

onde,

cega,

me revejo.


Esta casa,

infortúnio,

forçando-me ao que não sou,

é a mágoa onde vivo,

o castigo de quem sonhou.


Ah...

o que me apetece fugir a esta noite sem estrelas,

arrancar-me a estas entranhas inquietas,

a este prurido sem mãos, sem dedos...


Se...

Se eu pudesse voltar

ao início do tempo,

do MEU tempo,

e cuspir

toda a terra,

todo o pó...

Tossi-los

de uma só vez.


Se eu pudesse estancar

a raiva,

a revolta,

num só grito,

e resvalar

p'las escarpas

da tristeza,

da dor...


Couraça de amor seria...



Olha-me

o buraco a arfar no peito,

e um azul imenso

cobre-me o corpo

de areia caída,

vencida.

No que fui,

de longo embuste,

naufraguei...

E resto-me

apenas

incerta,

desconhecida...



Março/ Abril 2010


Primeiro amor

Eras tudo,

eu, em flôr

a certeza.

E um só casaco servia

enquanto nadava

nos teus olhos

sem fim.

Eras tudo,

em tudo.

Terra acesa,

noite,dia.

E eu

amanhecia

por te ter

dentro de mim.


Março 2010


Alvura

A lua passa grande

pelo meu sossego

pardo.

Macia de afago

na face minha

da noite.

E o branco,

o azul,

dissolvem-se:

suas mãos

na pele que trago...


Meu corpo neblina

estende-se

infinito,

até mais não...

Sou rastro imenso,

convicto!

Quero tocar as nuvens, o céu, as estrelas,

e voar,

voar,

voar...

Quero, lua,

teus viçosos raios

de espesso marfim.

E a luz enxuta da manhã

onde nascem

a seda

e a paz.

Tardia paz...


Lua, acorda-me assim,

bonita.

Não torno

às longas horas

suspiradas,

arrastadas,

sem princípio,

sem fim.

Essas pesadas horas

em que parto


leve...


e longe...



Fevereiro/Março 2010

Pressa

Deixo a pressa pela margem,

pressa de ser quem não sou.

E mesmo de costas voltadas,

ouço a pressa chamar-me,

com a fome de quem jejuou.


Pressa das mil marteladas:

a quente,

a frio,

a nada...


Pressa da vida adiada...


Dos dias que o eu não tocou...



Deixo a pressa pela margem,

e vou desembaraçada

p'lo sumo da água salgada

que me leva com afinco.


Água limpa, imaculada,

penugem doce, almofada

do longo repouso bem-vindo.


E cuido de mim abrigada:

cada ferida,

cada espada,

cada sulco,

cada vinco.


Não quero tardar a chegada

à terra da certa alvorada,

da noite magra estrelada

onde cresço e me consinto.


Nado forte, de braçada,

deixando a pressa p'la margem

com a pressa de ser o que sinto.



Novembro 2009/Janeiro 2010


Tu

Dás-me a mão,

E os teus dedos prolongam-se

nos meus dedos,

no meu corpo...

E os teus dedos prolongam-se

p'lo meu peito... que te inspira.


Invades-me...

E de olhar invisível perscruto-te:

Para te saber aí.

Saber que és tu.


Mas quem és tu afinal?

Sim, tu...

Que ousas espreitar-me,

tocar no meu mundo,

bem fundo.

Que ousas conhecer-me,

rir-me,

abraçar-me,

chorar-me,

querer-me.


Olho-te no silêncio,

Sorvendo a seiva que por ti corre.

Aquela que vejo, que quero ver.

E pergunto-me: quem és tu?

Que me permites sonhar

e banhar os meus dias de esperança.

Que me permites brilhar... novamente,

Apesar do medo,

Apesar do cansaço.

Apesar de querer que o meu espaço

Seja meu...

Só meu...



Junho 2009

Criança olhos de esperança

Criança olhos de esperança,

és um sono descansado

na espuma do mar salgado

que escorre em minha face.

E com meiguice luzente

encontras o ouro presente

em cada navio naufragado

na demora de um abraço.


Criança olhos de esperança

és casa porto seguro.

Criança doce recanto,

onde termina em encanto

cada tonalidade de apuro.


Criança olhos de esperança

farol de quente destino.

Quem ousou, num desafino,

teu sossego terminar?

Que ser tão pequenino

esgotou o cristalino

de teu brilhante olhar?


Criança olhos de esperança

Quem do esplendor te privou?

Que coração negro de inveja

teus olhos embaciou?

Criança que agora fraqueja

num frio que nunca sonhou.

E todos os dias braceja

no uivo do medo e da dor.

Criança olhos de esperança

eras apenas criança

sonhando um pouco de amor...



Maio/Setembro 2009