sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Quase

Parada no passo que não dou 
Fico pelos dias que passam 
Cheia de anos demais 
Escondida no que ainda acredito...

Não vejo a mulher no espelho, 
E peço licença para ser, 
desculpa por ser.

Os sonhos doem, 
esboroados no que podia ter sido de outra maneira. 
Mais feliz. 

E a culpa, pegada funda, 
olha para mim todo o dia 
Fazendo-me escarlate.

Quando serei leve? 
Quando deixarei de acreditar? 
Deixar as nuvens negras passar 
Sem com elas me fundir 
Sem delas cair em chuva

Não soube ser de outra maneira 
quando tudo o que queria 
era esticar os braços, as mãos, 
atirar-me sem pensamento, 
despir-me, fazer-me mar,
e espalhar-me sem hesitação.
ser, sem hesitação. 


 2021

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Os pés na terra

Despeço-me dos sonhos,

como quem assiste à partida

de um grande amor,

imposta p'la razão de ser das coisas

e não pelos desígnios de uma vontade,

de um peito que respira ar alheio.

Despeço-me dos sonhos,

sonhos do longe do sempre,

excedendo a própria vida.

Toupeiras na pele,

subterrâneas,

fazendo girar motores antigos

fumegando odores que lembram

ruminam.

Sonhos soçobrando

no sopro da cedência

incómodo

mal digerido

sussurando ao ouvido,

baixinho baixinho...


Setembro 2011


quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Respiro

Pensei simples a vida,

um simples sim, simples não

achados no final de um dever

que me priva de mim mesma.

Um dever sem vincos,

depois da tábua de engomar,

onde o sangue é estanque,

o amor não pulsa,

e o tempo irremediável

inscrito na palma da mão.


Mas surge o dia em que as raízes,

doridas e tontas,

rasgam o chão em desconcerto,

polvos nadando na ondulação.

Rompe o alcatrão sem retorno

uma vida pronta a estrear,

consigo o vento a chuva o sol.

E a baleia expira em repuxo,

carta após carta,

o jogo sem trunfos

guardado para jogar.


O ar sossegado respiro

e posso agora parar

num momento qualquer,

musa de uma felicidade perene

que justifica.



Agosto 2011



domingo, 4 de setembro de 2011

Uma folha

Uma folha na copa de uma árvore

tão verde como as outras

bem irmanada nervuras afins:

nem muito bruta

nem parada nos pormenores.

Apenas a felicidade

do tom acastanhado de Outono

quando o sol do céu se desprende,

o riso de cócegas soltas

sempre que o vento sai à rua agitado,

e a queda pela força da chuva

sem a vertigem de o fazer sozinha.

Depois volta,

com as flores os pássaros

verde viçosa

espirrando o pólen

num lenço emprestado.

A seiva diluindo-se, correndo -

a imposição de se expandir,

tocar, ser tocada

tão profundamente,

sem reparar.

Gostava de ser uma folha

assim

eu e todas as outras

folha como as outras

na copa farta de uma árvore.


Julho 2011

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Gota de luz

Amar-te com quantas forças tenho

e as mãos, minhas,

rompendo grandes a terra

p'ra te agarrar amparar,

olhar para ti

olhos diluídos

no mesmo sangue na mesma carne;

e a calma das nuvens roçando teu sono,

paisagem que esquece o cansaço,

algodão doce desfazendo-se

em lábios de cereja molhada.

Quero-te demasiado,

e demasiada a zanga

p'ra aceitar a aridez,

o futuro por concretizar.

Somam-se os dias

escavando o vazio;

a faca torcendo retorcendo

o que faço por esquecer.

Busco apenas um sentido,

o melhor deles,

e tantos por aqui passam passaram,

p'ra entreter o tempo

disfarçá-lo

enquanto não vens,

pequena gota de luz.


Junho 2011

sábado, 2 de julho de 2011

Dia de sol

Hoje cedo o sol brilhou,

seus raios de areia quente

numa pele final de tarde

que a brisa beija, arrepia.


Fechei os olhos...

O presente alastrou-se...

Fui corpo, calor, redenção,

nas veias correndo a seu tempo, devagar.

O descanso sacudiu-me inteira.

Larguei os braços as pernas

e entreguei-me à cadeira sempre pronta,

acolhendo-me as formas herdadas,

e as outras,

de quem cede ao apetite nocturno.


Lá longe o anjo da noite,

a muito custo voando,

esbracejando rente ao chão.

Consigo a mala da zanga,

o sangue correndo chumbo,

e nem um dente,

branco.

Lá longe a dúvida a pergunta

forçando a vida a outro ritmo,

e o tempo fugindo em fio grosso.


Não sei quando o pano irá correr,

nem tão pouco se irei bater palmas.

Mas o sol brilha em arco-íris

na gota que cai e se escoa em mil saídas:

a vida, o espaço, a possibilidade.



Abri a porta da rua,

e cá dentro um bocadinho

disponível para amar.


Maio 2011


segunda-feira, 30 de maio de 2011

Azul

O azul do mar brincando nas ondas.

A vida as flores.

O azul criança que anoitece

na segurança de uma banda-desenhada.

O azul ganga da juventude que fica,

resistente.

O azul largo de um horizonte que me coloca no mundo.

O azul de um céu esperançado de estrelas.

O azul transparente de uma piscina

nadando livre leve.

O azul húmido que enternece as paredes de minha casa.

O azul ruminante dos sonhos que não alcancei.

O azul escuro após o jantar

inquieto, de tão sozinho.

O azul vórtice no estômago,

de quando não consigo falar.

O azul cinzento

subtraído à dor.

O azul das lágrimas dificilmente partilhadas.

O azul perdido,

de quando partiste.

O azul colo dos olhos de minha mãe.

O azul

a que tantas vezes renunciei

e que me pertence,

reconheço-me nele

amadurecido p'lo tempo

outra textura:

a da sinceridade,

minha,

a pouco e pouco.




Março/Abril 2011