terça-feira, 20 de abril de 2010

Desconhecida

Imagem,

vejo-te ao espelho

plana,

como palavra repetida eternamente.


Sonhos,

não me deixam partir...

Sonhos sem o meu cheiro.


Estrangeiros são os passos

que me cercam

a vida,

e sei agora alheia

a casa que trago às costas.


Sei-o,

prenha de orvalho...


Esta casa,

chumbo impune,

do nado-morto desejo.

Casa seca,

sabor duro,

onde,

cega,

me revejo.


Esta casa,

infortúnio,

forçando-me ao que não sou,

é a mágoa onde vivo,

o castigo de quem sonhou.


Ah...

o que me apetece fugir a esta noite sem estrelas,

arrancar-me a estas entranhas inquietas,

a este prurido sem mãos, sem dedos...


Se...

Se eu pudesse voltar

ao início do tempo,

do MEU tempo,

e cuspir

toda a terra,

todo o pó...

Tossi-los

de uma só vez.


Se eu pudesse estancar

a raiva,

a revolta,

num só grito,

e resvalar

p'las escarpas

da tristeza,

da dor...


Couraça de amor seria...



Olha-me

o buraco a arfar no peito,

e um azul imenso

cobre-me o corpo

de areia caída,

vencida.

No que fui,

de longo embuste,

naufraguei...

E resto-me

apenas

incerta,

desconhecida...



Março/ Abril 2010


Primeiro amor

Eras tudo,

eu, em flôr

a certeza.

E um só casaco servia

enquanto nadava

nos teus olhos

sem fim.

Eras tudo,

em tudo.

Terra acesa,

noite,dia.

E eu

amanhecia

por te ter

dentro de mim.


Março 2010


Alvura

A lua passa grande

pelo meu sossego

pardo.

Macia de afago

na face minha

da noite.

E o branco,

o azul,

dissolvem-se:

suas mãos

na pele que trago...


Meu corpo neblina

estende-se

infinito,

até mais não...

Sou rastro imenso,

convicto!

Quero tocar as nuvens, o céu, as estrelas,

e voar,

voar,

voar...

Quero, lua,

teus viçosos raios

de espesso marfim.

E a luz enxuta da manhã

onde nascem

a seda

e a paz.

Tardia paz...


Lua, acorda-me assim,

bonita.

Não torno

às longas horas

suspiradas,

arrastadas,

sem princípio,

sem fim.

Essas pesadas horas

em que parto


leve...


e longe...



Fevereiro/Março 2010

Pressa

Deixo a pressa pela margem,

pressa de ser quem não sou.

E mesmo de costas voltadas,

ouço a pressa chamar-me,

com a fome de quem jejuou.


Pressa das mil marteladas:

a quente,

a frio,

a nada...


Pressa da vida adiada...


Dos dias que o eu não tocou...



Deixo a pressa pela margem,

e vou desembaraçada

p'lo sumo da água salgada

que me leva com afinco.


Água limpa, imaculada,

penugem doce, almofada

do longo repouso bem-vindo.


E cuido de mim abrigada:

cada ferida,

cada espada,

cada sulco,

cada vinco.


Não quero tardar a chegada

à terra da certa alvorada,

da noite magra estrelada

onde cresço e me consinto.


Nado forte, de braçada,

deixando a pressa p'la margem

com a pressa de ser o que sinto.



Novembro 2009/Janeiro 2010


Tu

Dás-me a mão,

E os teus dedos prolongam-se

nos meus dedos,

no meu corpo...

E os teus dedos prolongam-se

p'lo meu peito... que te inspira.


Invades-me...

E de olhar invisível perscruto-te:

Para te saber aí.

Saber que és tu.


Mas quem és tu afinal?

Sim, tu...

Que ousas espreitar-me,

tocar no meu mundo,

bem fundo.

Que ousas conhecer-me,

rir-me,

abraçar-me,

chorar-me,

querer-me.


Olho-te no silêncio,

Sorvendo a seiva que por ti corre.

Aquela que vejo, que quero ver.

E pergunto-me: quem és tu?

Que me permites sonhar

e banhar os meus dias de esperança.

Que me permites brilhar... novamente,

Apesar do medo,

Apesar do cansaço.

Apesar de querer que o meu espaço

Seja meu...

Só meu...



Junho 2009

Criança olhos de esperança

Criança olhos de esperança,

és um sono descansado

na espuma do mar salgado

que escorre em minha face.

E com meiguice luzente

encontras o ouro presente

em cada navio naufragado

na demora de um abraço.


Criança olhos de esperança

és casa porto seguro.

Criança doce recanto,

onde termina em encanto

cada tonalidade de apuro.


Criança olhos de esperança

farol de quente destino.

Quem ousou, num desafino,

teu sossego terminar?

Que ser tão pequenino

esgotou o cristalino

de teu brilhante olhar?


Criança olhos de esperança

Quem do esplendor te privou?

Que coração negro de inveja

teus olhos embaciou?

Criança que agora fraqueja

num frio que nunca sonhou.

E todos os dias braceja

no uivo do medo e da dor.

Criança olhos de esperança

eras apenas criança

sonhando um pouco de amor...



Maio/Setembro 2009